CONSTELAÇÕES FAMILIARES X ADVOCACIA
Por: Bianca Pizzatto
CONSTELAÇÕES FAMILIARES X ADVOCACIA
Esse artigo visa desmistificar as ideias confusas sobre a advocacia com abordagem sistêmica, sobre a divulgação do direito sistêmico e sobre possíveis proibições do uso das constelações por advogados em virtude do Código de Ética e Disciplina da OAB.
No meu entender, que é uma opinião em construção, as proibições do Código de Ética e Disciplina não são absolutas e, assim como é com a lei, a interpretação depende do contexto de cada caso. Uma coisa é clara em quase todos os artigos do Código de Ética, a proibição da mercantilização da advocacia, o que me parece positivo e adequado.
Quanto ao exercício da advocacia e a divulgação de outras atividades, a minha interpretação é que as constelações familiares não se enquadram nesse dispositivo. Quando o Código de Ética fala em outra atividade, é necessário olhar para a natureza da proibição, a intenção da norma. Ao que me parece, o dispositivo proíbe que o advogado vincule, por exemplo, a sua profissão de contador com a de advogado, estabelecendo as duas profissões no mesmo espaço, criando assim, vínculos que favorecem a captação de clientes em evidente concorrência desleal. Cabe ao profissional distinguir, equilibrada e moderadamente, o que é habilidade que agrega valor ao exercício profissional do que invade a área mercantilista da propaganda.
O advogado não vende um produto, presta um serviço especializado. E o uso das constelações familiares no atendimento ou no conduzir de um processo, não é um produto e sim uma habilidade e uma especialidade do profissional, que atua em prol da conciliação e da solução de um conflito. Caso assim não fosse, um advogado que se especializa na área tributária, por exemplo, ao divulgar o seu trabalho, estaria infringindo o Código de Ética ao captar para si todos os clientes que necessitam de auxílio jurído nessa seara.
Uma coisa é o advogado anunciar:
FAÇA UMA CONSTELAÇÃO E EVITE UM PROCESSO
com o intuito mercantilista de captar clientes interessados em resolver suas demandas sem custas processuais; outra coisa é o advogado divulgar seu trabalho com abordagem sistêmica na solução consensual de conflitos.
Ademais, advogados podem exercer outras profissões, tal qual a de professor universitário. O que o Código de Ética proibe é a vinculação das atividades com intuito de captar o cliente com o oferecimento desses outros serviços.
Exemplo clássico do exercício da advocacia no mesmo local e em conjunto com outra atividade é o do advogado contador, administrador, corretor de imóveis ou agente da propriedade industrial, que monta o seu escritório de advocacia no mesmo local e junto com o seu escritório de contabilidade, seu escritório de administração de bens e condomínios, sua imobiliária ou seu escritório de registro de marcas e patentes. No caso, há vedação ética por inúmeros motivos: captação de causas e clientes, concorrência desleal, possibilidade de violação de arquivos.
O que se percebe no campo do direito, em especial dos advogados, é a natural insegurança e dúvida quanto ao lugar do Direito Sistêmico e da Advocacia Sistêmica na estrutura judiciária e profissional. É um novo direito? É uma nova disciplina? É uma outra atividade profissional? O que é e o que representa afinal o conhecimento das constelações familiares no Direito? E como a OAB vem encarando esse conhecimento em relação ao que dispõe o Código de Ética e disciplina?
As constelações familiares são um método de solução de conflitos que perfeitamente se adaptam ao compromisso, melhor dizendo, ao dever do advogado de estimular a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos (art. 3º, §3º do CPC) e assim, não se caracteriza atividade outra relacionada com a venda de bens ou serviços, esta proibida pelo Código de Ética.
Inicialmente, é fato incontestável, que a maioria dos profissionais do direito que buscam esse conhecimento, o fazem por questões íntimas e pessoais. Em um primeiro momento, esses profissionais se sentem atraídos pelas Constelações em virtude da sua própria personalidade não litigante, do seu interno desejo de paz e equilíbrio. E aqui destaco a importância desse primeiro passo. O campo das constelações familiares nos mostra que para o equilíbrio do todo, para a paz social, primeiramente nós podemos nos colocar nesse estado.
E aqui reside, na minha opinião, um dos obstáculos para que, em especial, os advogados se sintam seguros na atuação sistêmica. O primeiro trabalho é o interno: 1) Honrar a profissão até aqui; 2) Acolher a advocacia litigante como parte; 3) Reconhecer que nos bancos de faculdade aprendemos a lutar, brigar e discutir para defender os interesses de nosso cliente; 4) Acolher a advocacia sistêmica como possibilidade, habilidade, competência, especialidade, ou, ouso até dizer, um resgatar da verdadeira função do advogado, que é administrar a Justiça e não o conflito (CF art. 133).
Nesse interím, o Código de Ética e Disciplina da OAB (Resolução 02/2015) disciplina no art. 2º, caput, e parágrafo único, inciso VI que:
Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.
Parágrafo único. São deveres do advogado:
VI – estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios;
E o que são as constelações familiares senão um olhar amplo e amoroso para os relacionamentos e para os sistemas familiares, empresariais, sociais, onde estão inseridos os seres humanos com seus direitos e obrigações. E o que é o Direito Sistêmico? Segundo Dr. Sami Storch “o direito sistêmico vê as partes em conflito como membros de um mesmo sistema, ao mesmo tempo em que vê cada uma delas vinculada a outros sistemas dos quais simultaneamente façam parte (família, categoria profissional, etnia, religião, etc.) e busca encontrar a solução que, considerando todo esse contexto, traga maior equilíbrio e paz a todo o sistema”.[1]
Nesse entendimento está o lugar das constelações familiares no Direito e na advocacia. É uma visão, uma abordagem que a partir do conhecimento das ordens do amor, permite ao profissional do Direito compreender as dinâmicas dos conflitos e da violência de forma mais ampla, além das aparências, favorecendo assim uma habilidade que auxilia no posicionamento profissional mais adequado à pacificação das relações envolvidas.
Esse conhecimento está em perfeita ressonância com o disposto no art. 3º do Código de Ética e Disciplina, o qual rege que:
Art. 3 O advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos.
Ao utilizar o conhecimento das constelações familiares, o profissional do Direito amplia a consciência sobre o direito, uma vez que olha para as duas partes, mitigando desigualdades e buscando a verdadeira origem do conflito, facilitando assim a garantia de igualdade e a solução justa que traz paz.
As constelações familiares têm como base as leis sistêmicas criadas por Bert Hellinger, contudo, como o caminhar do próprio criador, as leis sistêmicas decorrem do estudo e da evolução de inúmeras ciências, tais como a filosofia e a física quântica. O pensamento sistêmico é uma forma de abordagem da realidade que surgiu no século XX em contraposição ao pensamento cartesiano. Assim, podemos dizer que o Direito Sistêmico e a Advocacia Sistêmica são uma forma de exercício profissional que utiliza o pensamento sistêmico e as constelações familiares como abordagem para a solução dos conflitos.
A dúvida surge da permissão interna e da ausência de segurança para atuar com essa abordagem. A permissão interna tem a ver com o reconhecimento do nosso passado profissional, no reconhecimento da advocacia e da própria instituição do Direito até aqui. O Direito Sistêmico e a Advocacia Sistêmica podem ser vistos como um novo olhar para a Justiça, e não como um novo Direito. O direito, a legislação brasileira, a advocacia e o Poder Judiciário têm uma longa e linda história, e a abordagem sistêmica é um outro capítulo dessa história, assim como é o Novo Código de Processo Civil. Ambos com postura e espírito mais consensual. A ausência de segurança vem com a precariedade no conhecimento dessa prática e no necessário atuar. Assim como os primeiros anos de carreira são um laboratório de prática, a advocacia sistêmica para ser segura requer que o conhecimento seja colocado à serviço do cliente, da justiça e da paz.
Por fim, e não menos importante, posso destacar a postura inclusiva e acolhedora do Poder Judiciário e da OAB com as constelações familiares, através das premiações do CNJ, pelos inúmeros projetos criados e em execução nos tribunais pátrios, pelas comissões de direito sistêmico aprovadas junto às subseções da Ordem dos Advogados. Ou seja, se ainda existe alguma dúvida, temor ou insegurança quanto ao uso dessa abordagem por advogados ou profissionais do direito, estes podem olhar para esses sentimentos e buscar a real causa desse conflito pessoal, pois como disse no início desse artigo, a paz começa dentro de nós.
A você, que se sente convidado a caminhar e atuar com essa abordagem, meu carinho e a minha torcida para que encontre o seu lugar.
Bianca Pizzatto
Advogada desde 1992 posso dizer que encontrei meu propósito de vida nas Constelações. Atualmente me sinto realizada como advogada, consteladora e professora.
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