ADVOCACIA: UM OLHAR AMPLIADO
Por: Bianca Pizzatto
Advocacia: Um olhar ampliado
Eu me recordo que há algumas décadas, quando ainda criança, sentia um baita orgulho ao dizer para as pessoas que meu pai era advogado. O conhecimento dele era admirável e pelo tanto de livros empilhados na estante atrás dele, eu imaginava que não poderia haver alguém mais sábio do que ele. Eu lembro que nos Júris que meu pai atuava como defensor ou assistente, eu observava com entusiasmo a eloquência e a criatividade dele durante os discursos sobre os fatos e as normas. E aquela toga preta e branca? O que era aquilo? Poder absoluto!
Meu pai, no Tribunal do Juri, sentado à direita. Anos de 1990
Já na adolescência comecei a compreender algumas frases maliciosas sobre a profissão de advogado e era frustrante imaginar que meu pai fazia parte dessa classe profissional. E foi nessa época que comecei a me questionar sobre a real importância e força da advocacia como instrumento de ordem social e pacificação, e no caminho inverso desordem e conflito.
Na faculdade de Direito resgatei os conceitos nobres sobre a advocacia. Novamente me sentia altiva quando me perguntavam que faculdade eu cursava, eu dizia: “Direito! Eu faço faculdade de Direito!” Passei cinco anos debruçada em livros e encantada com professores. Assistir aulas com um Juiz de Direito, um Promotor de Justiça, um Advogado renomado me deixava glorificada. Eu via tanta força nesses profissionais, tanto anseio de fazer justiça, de colocar as coisas em ordem, de equilibrar as relações, que eu não via a hora de poder concluir a faculdade e começar a minha própria carreira.
Bah! Que pena que a faculdade não dura uma eternidade e que estudar não seja uma profissão. Digo isso, porque a prática, caramba, a prática te joga na jaula dos leões. Como não me ensinaram na faculdade, a me defender em uma audiência de instrução? Como não posso consultar os livros para responder a um cliente durante uma consulta? E como assim, o meu pedido foi indeferido? Espera, para tudo, o código que eu leio não é o mesmo que vocês estão lendo? Como assim improcedente?
Entendi, duplo grau de jurisdição. Eu preciso recorrer. Claro, óbvio. Juiz pode errar, afinal é um ser humano. Está tudo bem. Vamos interpor recurso. Afinal, na Câmara são cinco Desembargadores. Lá com certeza alguns deles vão enxergar o direito. Mas, tempo depois … Como assim o meu recurso foi improvido? Por unanimidade? Alô! Vocês não leram o meu recurso? Não revisaram as provas? Sério que vão concordar com a sentença de primeiro grau? Só pode ser brincadeira!
E as leis que mudam o tempo todo e sequer te mandam uma notificação, ou pelo menos uma carta te avisando. E quantas mortificações alguns colegas passam copiando e colando, ou mudando apenas a qualificação. Lei nova, requerimento velho. Havia um tempo em que eu aproveitava essas gafes para enaltecer o ego profissional, do tipo, eu estou sempre atualizadíssima, você não? Pois é, se você acha engraçado quando isso acontece com um colega, cuidado, coisas estranhas também podem acontecer com você nessa profissão. Afinal, o trem é o mesmo, você pode até estar em outro vagão, mas o percurso é igualzinho, uma hora a tromba de água vem e te molha.
É galera, a advocacia é uma caminhada cheia de surpresas. E o bacana dessa profissão é que você, com o tempo, aprende que julgamentos são apenas julgamentos, erros são apenas erros. Leis são apenas leis. Então é então, agora é agora. E a sua razão é apenas uma peça do quebra-cabeças. Baita lição da advocacia, a sua razão é apenas a sua razão.
E aí? O que eu faço com essa conclusão? Do que adianta passar horas estudando, elaborando, construindo uma tese de defesa se no final, a sua razão é apenas a sua razão e, quem sabe, todo o seu esforço nem sequer importa. O seu cliente não tem direito. O seu cliente é condenado ou perde. Fica aquela sensação de impotência, de frustração e de questionamento sobre qual é o meu papel como profissional.
Não raras vezes esses sustos da vida profissional te levam para um quarto escuro e te congelam no estado de não saber mais nada. E nessa hora vem a vontade de desistir, de adoecer, de fugir e muitas vezes até de ponderar a ideia de que aquelas frases maliciosas sobre a advocacia tinham um certo sentido. Afinal, se eu não posso fazer nada de bom, quem sabe posso ganhar dinheiro fazendo o que dá, mesmo que seja errado. É, a advocacia tem essa força.
Nesse momento, o que realmente conta é o propósito! Você entrou nessa por alguma razão? Já parou para analisar como você foi parar nessa profissão? O que te levou a escolher a faculdade de Direito? E missão, você tem? A advocacia faz parte da sua missão? Seu propósito é ganhar dinheiro? E você está ganhando dinheiro? É o suficiente? Está feliz?
Todos nós envelhecemos, um dia a nossa mente não vai dar conta de tanto estudo, de tantas horas de trabalho e nem vai conseguir interpretar tantas normas. E aí, você já se imaginou velhinha(o) olhando para a sua jornada? E quando chegar lá, na velhice, vai sentir orgulho do que fez? Vai poder dizer que cumpriu uma missão? E os seus filhos? Vão sentir orgulho de você?
A advocacia pode ser interpretada com muitas falas, discursos, pensamentos bonitos ou não. O nome advocacia tem um significado, isso até o Aurélio sabe. Porém, o ser advogada(o), o significado do exercer essa profissão só a prática te oferece. É só quebrando a cara, é só enfrentando audiências difíceis, é só lidando com colegas inflados de ego e Juízes prepotentes, que você realmente entende o seu legítimo lugar no sistema.
Na lida diária, no atendimento do escritório, no peticionar, no recorrer, no estudar, no encontrar soluções, você percebe como o seu corpo sente. É ali, na solidão da sua sala, do seu escritório ou da sua mesa, sem glamour, sem debates e sem razões que você se conecta ao essencial da advocacia. É nesse lugar, nessa postura diária de advogada(o) que você encontra ou não leveza. E aí? O que o seu corpo diz sobre a sua profissão?
Eu reflito e questiono isso porque foi no estudo do pensamento sistêmico e das constelações familiares que eu encontrei habilidades para compreender como eu entrei nesse mundo, nesse sistema. E depois, com o conhecimento adquirido, eu fui observando como eu estava, o que eu sentia, quais eram as minhas maiores dores e alegrias nessa profissão. E em cada novo processo, em cada nova audiência eu não só buscava olhar profundamente para o meu cliente e seu conflito, como também para mim mesma, para o significado de eu estar ali, naquele momento, com aquele cliente e com aquela situação.
E quão grata surpresa tive ao descobrir que a soma das partes não é maior do que o todo. Não importa se você ganha ou perde. Não importa se prova ou não que seu cliente tem razão. Importa porque você e seu cliente estão ali naquele momento e naquela situação. De qualquer modo, uma peça do quebra-cabeças vai sofrer. Se você vencer, o advogado e a parte do outro lado perde. Se você perder, o seu cliente sofre. Dá para entender que força isso tem? Então, no fundo o que importa é o propósito disso tudo. O que o todo aprende e o quanto eu posso contribuir para esse aprendizado.
Hoje posso afirmar que eu sou muito grata a tudo aquilo e a todos aqueles que me trouxeram até aqui, até a advocacia, e especialmente até a advocacia mais ampliada. Não imaginava que uma profissão pudesse me dar tanta força, me levar a tamanha expansão de consciência. E se você ainda vive no turbilhão das emoções da profissão, dá uma paradinha, olhe para o propósito da sua advocacia e se for necessário, olhe para você mesma(o) e se pergunte: O que eu ainda não vi e não entendi sobre o meu estar advogando aqui e agora? Eu vou torcer para que você, assim como eu, encontre propósito, leveza, amor, contemplação e força nessa profissão que para mim é uma das mais nobres.
E isso tudo são apenas as minhas percepções. Só isso!
Bianca Pizzatto Carvalho
Advogada Sistêmica
Bianca Pizzatto
Advogada desde 1992 posso dizer que encontrei meu propósito de vida nas Constelações. Atualmente me sinto realizada como advogada, consteladora e professora.
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