A CONSTELAÇÃO COMO ATIVIDADE TÉCNICO-PROFISSIONAL
Por: Bianca Pizzatto
A CONSTELAÇÃO COMO ATIVIDADE TÉCNICO-PROFISSIONAL
As constelações familiares e outras práticas já fazem parte da realidade jurídica no Brasil, tendo sido acolhidas como métodos alternativos de solução de conflitos. Mais do que um olhar ampliado para as dinâmicas dos conflitos humanos, as constelações familiares revelam fatos importantes e relevantes, muitos deles ocultos ou inconscientes para as partes de um processo.
Atualmente são muitos os estados que utilizam as constelações no Poder Judiciário. E o conhecimento das constelações é empregado tanto por juízes, promotores, advogados, como por voluntários que na qualidade de facilitadores em constelações auxiliam em audiências, processos e projetos especialmente criados para esse fim.
No site do Conselho Nacional de Justiça há inúmeras notícias divulgando os projetos e atividades envolvendo as Constelações Familiares, inclusive no ano de 2018 o CNJ apresentou um mapa das Unidades Federativas que já utilizavam o método.
Na Ordem dos Advogados do Brasil existem dezenas de comissões de direito sistêmico espalhadas pelo Brasil. O Juiz de Direito Sami Storch, autor do nome Direito Sistêmico, o qual utiliza as Constelações Familiares há mais de 12 anos em sua atividade como magistrado diz que:
“Em ações de família, muitas vezes uma constelação simples, colocando representantes para o casal em conflito e os filhos, é suficiente para evidenciar a existência de dinâmicas como a alienação parental e o uso dos filhos como intermediários nos ataques mútuos, entre outros emaranhamentos possíveis. Essas explicações têm se mostrado eficazes na mediação de conflitos familiares e, em cerca 90% dos casos, as partes reduzem resistências e chegam a um acordo”.[1]
E as Constelações Familiares não têm apenas reconhecimento do Poder Judiciário e da OAB, mas também de outros órgãos e setores, como por exemplo o Ministério da Saúde, uma vez o Governo Federal, por força da Portaria 702 de 21/03/2018 aprovou a inclusão das Constelações Familiares como práticas corporais integrativas e complementares na chamada Medicina Alternativa no SUS – Sistema Único de Saúde, dado a sua relevante contribuição para a saúde humana.
A referida portaria descreve a constelação como uma abordagem capaz de mostrar com simplicidade, profundidade e praticidade onde está a raiz, a origem, de um distúrbio de relacionamento, psicológico, psiquiátrico, financeiro e físico, levando o indivíduo a um outro nível de consciência em relação ao problema e mostrando uma solução prática e amorosa de pertencimento, respeito e equilíbrio.
Dessa forma, o profissional que atua com as constelações merece respeito, proteção e reconhecimento, não só pelos notórios benefícios realizados em prol da saúde, como também pela comprovada melhoria das relações humanas e solução dos conflitos.
Se existem profissionais que atuam com falta de aptidão ou ética profissional, isso não é afeto apenas aos consteladores. Em todas as profissões existem àqueles que efetivamente se dedicam ao preparo e ao estudo, e se colocam no mercado com notória capacidade, e existem àqueles que nem tanto. O que não se pode admitir são julgamentos impróprios e desprovidos de qualquer conhecimento sobre a atividade que envolve as constelações, sejam elas familiares, estruturais ou organizacionais.
Feitas as devidas e necessárias observações sobre as constelações e considerando que elas vêm sendo aplicadas no Poder Judiciário e no SUS, não vejo impedimento e nem prejuízo no fato de os facilitadores em constelação estarem à serviço da Justiça para contribuir em processos com suas observações obtidas pela facilitação em constelação
Muitos juízes já autorizaram que as partes envolvidas em processos fossem convidadas a participar de uma constelação. Muitas pessoas envolvidas em questões judiciais já buscaram as constelações, para entender melhor as dinâmicas envolvidas no seu conflito, e muitas delas tomaram consciência das causas dos conflitos e encontraram soluções.
Então, partindo dessas estatísticas, teria o constelador legitimidade para emitir um parecer, um estudo de caso ou prestar informações em um processo? Poderia o constelador integrar equipe interprofissional?
A equipe interprofissional, tem papel estratégico e fundamental fixado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA em seus artigos 150 e 151:
Art. 150. Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude.
Art. 151. Compete à equipe interprofissional dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico.
Pela leitura dos dispositivos legais vemos que a legislação garante a liberdade técnica aos integrantes da equipe, com respeito, valorização e o reconhecimento da legitimidade do saber científico que norteia a atuação dos profissionais. O referido artigo fala em equipe interprofissional, que nada mais é do que dois ou mais profissionais que participam de diferentes profissões.
E o que se mostra na atualidade, é que a interdisciplinaridade é o novo paradigma do conhecimento em várias áreas, tais como saúde, meio ambiente e direito; afinal a construção de um conhecimento interdisciplinar, entre outros processos sociais, é de fundamental importância para análise e resolução dos problemas e conflitos. Um saber jurídico exige um conjunto de disciplinas para a construção de um conhecimento capaz de abranger as múltiplas causas de um processo.
Podemos mudar a nossa mentalidade e favorecer a disseminação do conhecimento, abandonando o preconceito de incluir outros profissionais especialistas em um trabalho de natureza interdisciplinar. Podemos entender que a interdisciplinaridade é justamente permitir que um profissional agregue conhecimento de outras áreas, ligadas num único objetivo e visualizando as contribuições mútuas.
É de se destacar que houve avanços na disponibilização de maior espaço para o trabalho da equipe interprofissional no âmbito das Varas de Infância e Juventude e Varas de Família do País. Entretanto, é indubitável que se profissionais que facilitam constelações integrassem a equipe ou pudessem contribuir, com certeza esses profissionais seriam importantes instrumentos de coleta e produção de subsídios tanto para as decisões judiciais como para a elaboração de projetos e ações de caráter preventivo em prol da defesa dos direitos.
Afinal, os conflitos judiciais envolvem pessoas com problemas de relacionamento em seus sistemas, sejam eles pessoais, familiares, empresariais, sociais ou profissionais. E com base nessa natureza sistêmica das demandas, a composição da equipe interprofissional pode ser enriquecida com outros profissionais além de psicólogos, assistentes sociais e pedagogos, tais como: sociólogos, antropólogos, terapeutas e afins. A integração de outros especialistas só enriquece a competência técnica de uma equipe interdisciplinar.
Os obstáculos relacionados à formação profissional são derivados da tendência curricular estabelecida e institucionalizada nos programas de formação, nas diversas áreas de conhecimento, as quais ainda consagram o disciplinarismo e a especialização acadêmica como princípios intocáveis.
Talvez tenha chegado a hora de repensarmos e avaliarmos os pressupostos de admissibilidade do trabalho de profissionais interdisciplinares, pois a sociedade atual necessita cada vez mais de profissionais com conhecimento multidisciplinar baseado no vivido e no estudado, e muitas vezes um certificado acadêmico não garante, por si só, que o profissional é melhor capacitado para favorecer um resultado, do que aquele que também estudou muito, praticou muito e apenas não tem um certificado assinado por uma instituição de ensino.
Ademais, a facilitação em constelação geralmente é feita profissionais com atividade reconhecida, tais como: juízes, psicólogos, advogados, assistentes sociais, pedagogos, médicos, entre outros; e mesmo os terapeutas que facilitam as constelações, têm sua atividade protegida como profissão de curso livre. Os cursos livres são uma modalidade de ensino legal e válida em todo o território nacional, ainda que não sejam regulamentados pelo MEC. Esses cursos têm caráter não-formal e estão amparados pelo Decreto nº 5.154 de 23/07/2004, que estabelece Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) e pela Constituição Federal nos artigos 5º incisos II e XIII, podendo ser exercida em todo o País.
O terapeuta holístico, por exemplo, é um profissional da área da saúde não-médico. Por não existir lei federal que regulamente sua profissão, ele pode atuar livremente desde que tenha registro profissional e seja devidamente habilitado pelo Conselho Regional de Terapia (CRT) do Estado onde exerce sua profissão. O exercício profissional de terapeuta holístico é atualmente amparado por Sindicatos, Conselhos e Associações congêneres.
Em se traçando um paralelo com a Psicanálise, podemos dizer que a atividade de facilitar uma constelação é um tipo de atuação análoga ao que é reconhecido pelo Ministério do Trabalho e Emprego no Código Brasileiro de Ocupação 2515.50 e 322.125.[2]
É claro que mudanças de padrões e inserção de novos saberes nem sempre é um processo simples e demanda análises e estudos, ainda mais quando relacionado a questões sensíveis. No entanto, já existem no Brasil inúmeros estudos, artigos, livros e projetos que comprovam a relevância das Constelações Familiares nos conflitos e processos.
A inclusão de profissionais que atuam com constelações na equipe interprofissional ou o reconhecimento de seus relatórios em processos, com a máxima certeza, contribuiria e muito na solução dos processos e na expansão da consciência dos envolvidos nos litígios judiciais de forma mais leve e equilibrada.
A nós, profissionais da ajuda, cabe observar, sentir, perceber e refletir sobre as possibilidades de facilitar a resolução dos conflitos, contribuindo com questionamentos e sugestões para que possamos avançar e ampliar. Enquanto continuamos as mesmas coisas, pensando as mesmas coisas, permanecemos com os mesmos resultados. E o que se observa nos processos é que podemos fazer melhor, contribuir mais e facilitar com que especialmente as famílias convivam de forma mais equilibrada, harmoniosa e feliz.
Assim, finalizo esse artigo com a frase de Albert Einstein que diz: ” Aprenda com o ontem, viva para o hoje, esperança para o amanhã. O importante é não parar de questionar”.
[1] https://www.conjur.com.br/2018-jun-20/sami-storch-direito-sistemico-euma-luz-solucao-conflitos
[2] CBO 251550 -Psicanalista
Bianca Pizzatto
Advogada desde 1992 posso dizer que encontrei meu propósito de vida nas Constelações. Atualmente me sinto realizada como advogada, consteladora e professora.
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